A Nutridora Nigella Lawson
- Mani Milani
- 22 de out. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 1 de ago. de 2022
Nigella Lawson é uma cozinheira, jornalista, escritora e apresentadora. Ela tem dentre os seus arquétipos dominantes a deusa Deméter e não poderia ser diferente. O polêmico best seller Como ser uma deusa doméstica reflete muito de sua personalidade Deméter porque, em se tratando de imperfeição, fluidez e acolhimento, essa cozinheira de mão-cheia nos mostra como ser deusa.
Nigella já nasceu errada, ou pelo menos assim conta sua história. Filha de Nigel Lawson, uma figura política e icônica na Inglaterra, braço direito de Margaret Thatcher, e Vanessa Salmon, uma socialite e herdeira. O casal tradicional esperava, com grandes expectativas, um menino e inclusive o nome já estava definido, seria Nigel, um pródigo garoto que seguiria a linhagem do pai. O esperado Nigel virou Nigella, uma garota cheia de energia feminina, personalidade subversiva e nada diplomática.
A apresentadora e cozinheira revolucionou a cultura culinária por sua imperfeição e aceitação de seu ser. Em uma época em que os programas de televisão estavam acostumados com cenários impecáveis e finalizações cenográficas como os de Martha Stewart, surge Nigella, derrubando tudo, sujando o cenário e lambendo os dedos que colocava na comida em rede nacional (e posteriormente mundial).
Nigella é jornalista de formação, apaixonada por comida e cozinha, começou escrevendo para colunas de gastronomia, sempre fazendo questão de pontuar ser uma grande amante da cozinha e não alguém com formação técnica.
Se preferir, você pode assistir ao resumo desse texto aqui:
Aceitação e sublimação
Sou uma grande apreciadora da energia criativa e percebo essa como uma das principais potências do feminino. Na história de Nigella, podemos ver essa energia combinada a potência de Deméter que resulta em uma capacidade esplêndida de aceitação e transformação.

Nossa deusa da vez perdeu três das pessoas que ela mais amava de maneira muito dramática. Primeiro sua mãe que aos 48 anos morreu de câncer no fígado. A segunda perda foi sua irmã que morreu aos 30 anos de câncer de mama apenas alguns dias depois de Nigella ter dado à luz a sua primeira filha.
Em entrevista ela conta que essas perdas deixaram um grande vazio e silenciaram uma conversa tão importante para ela. O grande assunto para essas mulheres era a comida, elas dividiam a paixão profunda pela cozinha e pelos alimentos. A partir deste vazio, Nigella conseguiu transformar e ressignificar sua dor, como forma de dar continuidade a conversa que havia sido silenciada e assim escreveu seu primeiro livro Como comer, um título intencionalmente arrogante que chamou a atenção de todos e que a levou ‘acidentalmente’ aos programas de televisão.
Nigella se casou e em seguida deu à luz aos seus dois filhos, como uma típica Deméter. Seu marido, o irreverente jornalista John Diamond, era apaixonado por sua espontaneidade e sabia que ela seria grande, ele estimulava isso nela e inclusive foi ele quem sugeriu o título de seu primeiro livro.
John foi diagnosticado com câncer na garganta aos 43 anos e teve sua língua removida. O quão bizarro é isso, especialmente para um jornalista extrovertido e falante casado com uma cozinheira?! John absolutamente não queria se calar e seu diagnóstico só fez com que ele desejasse viver sua vida ainda mais intensamente, fez de Nigella sua porta-voz e ela, reproduzindo seu vocabulário polêmico e forte, foi se apropriando dele de forma quase antropofágica.
Assim, nossa jornalista e cozinheira foi aprendendo a ficar confortável em frente às câmeras e foi então que surgiu seu primeiro programa de televisão, o Nigella Bites (mordidas de Nigella).

O programa era gravado em sua casa e sem roteiro, algo que ela escolheu, pois precisava cuidar de seu marido doente e seus filhos. O que resultou em gravações muito acolhedoras e realistas, com participações especiais dos gritos de seus filhos e intromissões de seu marido na geladeira, algo absolutamente subversivo e fascinante para a tv da época.
E como não poderia ser uma Deméter alguém que nos faz valorizar os atributos naturais de uma mãe? Ela foi muito criticada pelas feministas quando escreveu How to be a Domestic Goddess (Como ser uma deusa doméstica), críticas que poderiam ser de fato revistas se elas tivessem lido o livro para compreender que se tratava de panificação.
“Este é um livro sobre panificação, mas não um livro de panificação - não no sentido de ser um manual ou um guia completo, ou um mapa de uma terra que você não habita. Não quero confiná-lo aos aposentos da cozinha, nem mesmo sugerir que isso seja desejável. Mas acho que muitos de nós ficamos alienados da esfera doméstica e que pode realmente nos fazer sentir melhor reivindicar de volta um pouco desse espaço, torná-lo reconfortante em vez de assustador.
De certa forma, assar é uma metáfora para o calor familiar (...)
O problema de grande parte da culinária moderna não é que a comida que ela produz não seja boa, mas que o humor que induz no cozinheiro é de estilo ‘faca na caveira’ e pouco prazer (que tal minha tradução?! rs). Às vezes, isso é o melhor que podemos fazer, mas, outras vezes não queremos nos sentir como uma mulher pós-moderna, pós-feminista e sobrecarregada, mas, sim, uma deusa doméstica, deixando um rastro de fumaça de noz-moscada de torta assando em nosso rastro lânguido.
Portanto, não estou falando exatamente de ser uma deusa doméstica, mas de me sentir como uma. Uma das razões pelas quais fazer bolos é satisfatório, é que o esforço exigido é muito menor do que a gratidão concedida. (...)
O bom é que não preciso renunciar ao mundo e entrar em uma vida de labuta doméstica. Mas podemos assar um pouco - e um bolo é apenas um bolo (...)”, Nigella Lawson em How to be a Domestic Goddess
Ser do lar não significa regredir ou se submeter
Nigella tinha sua própria vida e projetos, conhecia bem sua individualidade quando conheceu seu marido John. A história mostra que John se colocava em uma posição de reverência ao feminino, não necessariamente porque ele já sabia disso, mas porque nossa deusa do lar não aceitaria menos do que isso.

Temos também a função de ensinar aos homens que nos rodeiam como reverenciar o feminino e isso não precisa ser feito de uma forma agressiva e combativa. Pode sim, vir de um lugar de amor, afinal, eles também foram desde de muito cedo contaminados por um sistema machista e tóxico, essa limpeza de feridas patriarcais também precisa acontecer nos homens.
Acredito que a forma mais simples de se posicionar para ser uma disseminadora de um movimento de reverência do feminino é começar reverenciando a si mesma. Isso é um lugar de amor-próprio que nos ensina a criar limites reais de maneira feminina, algo que Afrodite ensina com maestria. Percebo que as conquistas de Nigella vem muito de um lugar de aceitação profunda de si mesma e da vida como ela é.
Quatro anos após ter sido diagnosticado com câncer, seu marido John faleceu e essa foi a terceira perda dramática que marcou profundamente sua história, porém, isso não fez de Nigella uma viúva amarga, mas uma pessoa que segue aceitando a vida como ela é e buscando fazer o melhor de seu tempo aqui.
Isso é algo extremamente feminino e característico do arquétipo da Nutridora, aceitar a vida como ela é.
Dois anos depois de seu marido falecer, Nigella se casou com Charles Saatchi e novamente foi muito criticada, dessa vez por iniciar um relacionamento tão cedo, sua reação para os comentários?
“Charles era um amigo e eu percebi que sua energia e entusiamo eram justamente o que eu precisava quando estava muito para baixo. Sim, eu estou totalmente consciente de que iniciar um relacionamento depois de 6 meses que seu marido faleceu é algo que parece absolutamente rápido, e é!
E eu sei que se eu estivesse fofocando sobre alguém eu diria: ‘hum, ela não perde tempo’. Ainda assim, a vida é o que acontece”, Nigella em entrevista ao History Channel

A história de Nigella é, para mim, uma referência de uma mulher autônoma que teve muitas conquistas, soube lidar com as dificuldades da vida e acolher sua natureza de deusa vulnerável, que sente prazer em nutrir e cuidar de sua família sem, no entanto, ocupar um lugar submisso e servil, algo conhecido pelas nossas ancestrais. Vale lembrar, porém, que Nigella só é capaz de ocupar esse lugar hoje graças as conquistas do movimento feminista.
Mais uma vez a história mostra que a integração das potências femininas é a chave para a conquista de autonomia e manifestação de nossas reais identidades e potências.
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